Cisne Negro

Cisne Negro
Cora Coralina

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A Casa do Artista

Eu o conhecia de vista há uns 20 anos atrás quando trabalhava no Shopping Iguatemi na Side walk, como extra de Natal. Ele era loiro, não do cabelo amarelo, mas um loiro meio acinzentado. Também era alto, tinha olhos castanhos, inquietos e brilhantes, seus traços eram finos. Usava umas calças verdes ou cáqui, cheias de bolsos, uns sapatos tipos top siders e camisas brancas. Alguma coisa parecida com o Indiana Jones, só que sem o chapéu. Sua passagem provocava em mim desejos contraditórios: ao mesmo tempo que eu tinha vontade de pular na sua frente e convidá-lo para ir ao cinema (não era muito atirada aos 20 anos), também queria que se abrisse um buraco qualquer no assoalho para eu poder entrar e me esconder,cada vez que ele aparecia. Nunca fiz nenhuma coisa, nem outra. Como ele tinha uma loja de camisetas, onde a namorada do meu irmão trabalhava, acabei trocando duas ou vinte frases com ele. O pretexto primeiro foi elogiar a tela que ele pintara e enfeitava uma das paredes da loja. Funcionou,homem é bicho vaidoso,depois desse meu comentário elogioso,ele falava sempre" oi " pra mim. Um dia na hora do oi, que era a hora que eu saía para engolir meu lanche, ele abaixou,ficou aos meus pés e amarrou o meu sapatinho top sider. Nesse dia eu queria estar portando uma máquina fotográfica para registrar o momento. Como não tinha, fotografei com minha retina mesmo e guardei a imagem no fundo da cabeça. Quando ficava sozinha fechava os olhos e lembrava dele ali, aquele Harrison Ford, abaixado no chão do Shopping amarrando o meu sapato . Pena que na hora, não estava passando nenhuma amiga, inimiga ou conhecida . Qualquer uma ia babar de inveja , já pensou?
O fato é que o Natal chegou, o trabalho acabou. Eu fui para Ilhabela no Carnaval e o vi...acompanhado de uma moça linda, quase tão alta como ele. Vi os dois de mãos dadas, rodopiando no meio do salão do clube, como se no salão, na cidade, no mundo todo, nada mais existisse, além deles. Disseram que ela era argentina e que eles haviam se apaixonado e ela viera ficar com ele.
Passaram-se os anos e perdi -o de vista.De quando em vez, via seu nome na mídia. Suas vitrines criativas tinham aberto portas. Ele fazia ambientações de Natal. Algumas viraram atração turística. Tinha uma que era montada na Avenida Faria Lima, numa loja grande e moderna, juntava gente no final de semana. As pessoas visitavam, posavam para as fotos - uma diversão para o pobre paulistano carente de paisagens para fazer fundo nas fotografias.
Almoçando no fatidíco Shopiing Center,meus olhos deram com ele.Obviamente, estava mais velho, mas o corpo esguio e o jeitão de vestir ainda eram os mesmos.O rosto tinha marcas do tempo,mas nada que fosse assustador. Eu já havia casado,feito tres filhos,namorava, já tinha feito tanta coisa nessa vida, não havia o que perder. Aproximei-me:
-Você não é o Gerônimo? Gostaria de ver um quadro seu. Você tem site?
-Não tenho site, mas vou te dar meu celular.
ele anotou o número num papel.

Eu agradeci, guardei, fui embora. Passaram quinze dias,eu prospectava respostas de trabalho que,teimosas, custavam a aparecer,os filhos estavam na escola, resolvi ligar e ver as telas do moço,podia querer fazer uma extravagância e adquirir uma, podia falar para sua amiga dona de galeria,podia falar para ele sobre o trabalho dela,afinal ele era bem relacionado.Enfim...desculpas não faltam para alguém fazer uma coisa que quer fazer.Como sempre fui de rompantes, peguei o número,liguei e combinei de ir à casa dele no dia seguinte.

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A casa do artista era um sonho.No meio de um jardim localizado numa parte da cidade que é um jardim.Branca por fora e por dentro, parecia um protótipo de casa,uma que sofreu assim um corte longitudional.
Cheguei com meu pequeno carro preto, modelo popular e parei-o de fonte a uma casa branca no meio de um condomínio jardim, num bairro verde da metropole,onde só muitos poucos têm acesso.Achei meu carro francamente destoante da fachada.Eu deveria ter ido com meu Karman Ghuia cor de rosa ou com minha carruagem prateada.Fica para próxima.
Chovia uma chuva linda de verão e Monet Jones saiu de sua casa portando um guarda chuva branco.Um verdadeiro gentleman só para me receber.
A casa era inusitada, grande,mezanino-casa.Na sala de estar branca reinava um carro rabo de sereia vermelho.E da sala se abria uma cozinha de revista, igualmente branca.A escada era daquelas abertas .O efeito era bonito.Senti que já devia ter estado lá.
-ôba,pensei,um sinal que Indiana e eu já nos encontramos em outras encarnações.
Ledo engano, lembrei que já vira a foto da casa em revistas de decoracão.
O moco foi muito simpatico, conversamos sobre artes plásticas-assunto que ele dominava muito mais do que eu.Ele falou-me sobre sua trajetória profissional, seu casamento com a argentina bonita e eu fiquei ouvindo tudo,muito admirada do sucesso dele.E então comecei a matutar como a vida dele e o caminho que ele havia escolhido eram diferentes do meu. Eu tambem morara numa casa térrea num bairro quase tão nobre quanto o dele. Mas a minha casa tinha sido térrea,de tijolos aparentes,sem piscina.Uma casa que não oferecia perigos e riscos de nenhuma especie para meus tres bebes.E então percebi que a casa dele não combinava com seres humanos muito jovens que podiam despencar daquela escada sem corrimão e toda vazada,que as paredes brancas não iriam tolerar mão sujas de chocolate e que aquela cozinha nunca deveria ter sido o berco de um ovo frito.
Estava nessa viagem ao país das constatacões inteligentes de rosane buk, quando ele me convidou para ver os quadros. Todos muito grandes e coloridos.Só caberiam na minha casinha se eu os cortasse em 8.Ele se referiu a um primo que comprou um para uma fazenda e sentamos novamente.
Nessa hora, levantei o dedão do pé e deixei à mostra um furão no solado da minha sandália rasteira,que já tivera dias melhores, mas que era a única que combinava com meu traje branco.Segui o olhar do moco até o furo e pensei:
-Danou-se.A farsa acabou.Ele vai saber que apesar dos nomes e sobrenomes que saquei da minha bolsa Louis Vitton comprada por 90 mangos na vinte e cinco,eu não posso comprar uma sandália nova, que dirá um quadro.
Apesar do constrangimento,achei graca da cena chapliana que eu protagonizava.
O artista e eu ainda mencionamos nossos respectivos namorado e namorada mais jovem.A dele,além de muito responsável e trabalhadora,ainda era de família de muito dinheiro.Mostrei-lhe a foto dos meus três filhos que são mesmo lindos..Ah, eu também queria mostrar a ele e a mim mesma,que a despeito da cena chapliniana,protagonizada pela minha sandália,também tinha feito belas obras.
A conversa morreu junto com a noite.Voltou cada qual para sua vida.Mas eu queria dizer ao artista que adorei penetrar um bocadinho no seu mundo, que gostei muito da sua casa,do guarda chuva,dos seus quadros e do tempo que ele me deu.


Õ assunto morreu junto com o dia

Um comentário:

Lúcia BL disse...

olá, rosana!

e como é que acabou essa história? você não pode simplesmente deixar assim... tem que entrar na casa do artista, ao menos.

olha, até agora esse homem me parece tão mais o príncipe de cinderela do que o indiana jones...

ah, linkei seu blog ao meu :-)

beijogrande!

lúcia