Cisne Negro

Cisne Negro
Cora Coralina

terça-feira, 10 de maio de 2011

Homossexualidade ,Cães Pequinese e Fumantes

Quando eu era pequena,faz um tempinho,coisa de 40 anos atrás,não haviam gays,nem bandeiras de arco íris.Os homens afeminados eram chamados de "bicha,viado ou bichona".Os bichas eram só os cabelereiros,os maquiadores e os costureiros.
Tinha também os travestis,que a gente via na revista uma vez por ano no Baile do Hotel Glória lá no distante carnaval do Rio de Janeiro.Aquelas mulheres bochechudas com aqueles peitos de bola de sinuca magnifícos,que dava uma vontade imensa de apertar, fascinavam-me.Meu fascínio quadriplicava quando me diziam :
-Nane,são homens.
(provavelmente esse fascínio era contagioso-homens e mulheres de hoje adoram peitos de travesti.Nada contra,questão de gosto)
Pois é,esse era o único contato que eu tinha com a homossexualidade masculina.Com a feminina então,menos ainda.Só me lembro de uma menina lá no Pio XII.Todas as outras comentavam :
-ela é mulher macho.
Ela era morena ,bonita mas ninguém queria ser amiga dela.
Quando comecei a dar aulas numa escola de inglês chique,entrei com os dois pés num mundo novo.A esmagadora maioria dos professores homens eram gays e divertidos e inteligentes.A gente tinha tudo vinte anos,depois das aulas para os altissímos executivos,,quem cabia entrava no meu Fusca azul e iamos para a night-Massivo e Rosie Bombom.Aprendi coisas super interessantes sobre o universo masculino,que nenhum bofe teria a coragem de revelar.
Voltando ao tempo quando os dinossauros caminhavam sobre a terra,a minha infância querida,quando gay não tinha vez.Eu me lembro de ver muitos fumantes e uma porrada de cachorro pequinês .
Os pequineses ,seres abomináveis,foram extintos e substituídos pelos igualmente execráveis Lhasa Apsos.Os fumantes,eles,os temíveis politicamente corretos ,estão tentando extinguir.
Eu nunca fumei o industrializado, o manufaturado ,muito pouco.E beber.. não bebo quase(mas tenho outras virtudes muito interessantes).Mas,por exemplo,minha mãe fumava e eu adorava minha mãe.Lembro quando meu pai viajava e eu dormia na cama dela,uma cama de latão com cobertor vermelho, e da brasa do último cigarro aceso à noite.Sim,fumava-se no quarto,no avião,no elevador,no restaurante,nos filmes,no banheiro da escola,em qualquer lugar do colegial,no carro com os vidros fechados com as crianças dentro,apesar dos protestos do meu pai não fumante.
Fumar era legal pacas.Pena que beijar fumante seja igual a beijar cinzeiro.
Agora fumar virou um crime quase tão hediondo como a pedofilia.Todos censuram os fumantes(ora,quem é que não vai morrer um dia?).Os pobres diabos foram confinados a espaços feios e são fascistamente condenados.
Por outro lado, os gays estão liberadissímos.Meus filhos estão acostumados a ver, sem nem comentar ,gente do mesmo sexo se beijando na rua e em casa de amigos.Eu, apesar de achar que qualquer forma de amor vale a pena e de só ter preconceito contra emergente,estranho um pouco.E não gosto dessa coisa de encarar o homossexual como avis rara.Gay não deve ser endeusado por ser gay.Tem gay mau,tem gay escroto,como acontece com todo o resto da humanidade.
O mundo ideal é aquele que tem espaço para todo mundo,inclusive para quem gosta de tabaco,sem exageros.

quinta-feira, 31 de março de 2011

João.

filho
Ele foi concebido no alto da Cordilheira dos Andes,no Chile,num lugar tão ermo quanto meu coração naqueles tempos,enlutado pela morte prematura da minha mama,que partira de um modo flamejante igual à personalidade dela mesma impermeável a qualquer tentativa de serenidade.
O João, encravado nas minhas estranhas ,não deixou barato.Eu tinha uma naúsea onipresente,a boca enchia de saliva a ponto de eu ter desejado pedir aquele aparelhinho sugador à Marina Dentista.Ao invés de engordar,emagreci.O efeito estético pode ter ficado interessante,mas eu tinha raiva por sofrer aquele incômodo intermitente.O consolo era que de acordo com dito popular,gravidez com enjôo é aquela que vinga.Obstinação é o nome desse meu filho.
Mais ou menos a troco de nada,ou graças a meu passado judaico-cristão,que sempre vislumbra tragédias iminentes,fiz aquele exame genético que fura a barriga da mãe com uma injeção de agulha fina.Dói muito menos que arrancar bigode,mas representa um certo risco.Líquido amniótico colhido,bebê normal.O grande desapontamento : mais um menino. Achei zero graça.Eu já tinha o Tomás que era o filho mais bonito desse mundo.Mais um para quê?Constatação chocante,mas verdadeira.Acabei acostumando com a idéia,segunda gestação não tem o fascínio da primeira,mas os hormônios pegam.Se bem que eu me torturava com a dúvida de se ia gostar tanto desse segundo como gostava da Tomás.Filho é uma parte da gente ,fora da gente não dá para amar a não ser visceralmente.
No sétimo mês, mais uma surpresa,minha barriga endurecia pelo menos uma vez por dia.Dr. Daniel,por excesso de zelo talvez,chegou a conclusão que havia um risco do meu bebê ser prematuro.Receita : repouso e uma bateria de 24 injeções de cortisona,que eu deveria tomar sem jamais ler a bula.A cortisona apressava o desenvolvimento dos pulmões no feto,o que facilitaria a vida dele,caso ele quisesse deixar o bem bom do interior do corpo da mamãe aqui,antes da etapa complementar.
O fato é que o João nasceu a termo.Nasceu não,escorregou para fora de mim.Um obstetra ou um goleiro teriam tido performance igualmente eficiente.O escorregamento pode ter sido ajudado pela miudeza desse meu filho.Ele era feinho( eu achei-o a outra coisa mais linda desse mundo inteiro),tinha pelo na testa,olhos muito grandes metidos numa carinha fina.Alguém disse que parecia um gorila.Meu filhote de gorila foi considerado PIG.O que significa peso inferior a idade gestacional,ou seja, bebê a termo com jeitão de prematuro.Não era grave e eu não liguei à mínima.Fazendo juz as já mencionadas raízes judaicas,eu era quase a personificação da Terra Prometida,jorrava leite,só faltava o mel.E o meu moleque fazia o que tinha que fazer,mamava muito e quando não mamava dormia sem ligar para a barulheira do outro bebê de dois anos.
Não foi à toa que na primeira visita ao Cacá,ouvi o veredito que deu o maior tapa na minha auto estima :
- Parabéns, Rô. O moleque quase dobrou o peso em 30 dias.
João foi meu único bebê que tinha dobrinhas...

Hellooooou,Bela Adormecida

Não gosto de alcóol,detesto cigarros industrializados e sempre mantive uma distância segura das drogas ilícitas.Menos por moralismo,muito mais por covardia.Não confio na força e na resistência dos pilares sobre os quais se apóiam minha vã sanidade.
O grande problema é que meu maior vício é a fantasia.Tudo bem,eu escrevo,devo contar com essa capacidade de me aproximar dos sonhos,de fantasiar.Mas tudo tem limites...Quando a realidade fica dura,eu costumo ir para uma ilha localizada à direita do meu lobo frontal onde todos os sonhos das heroínas românticas do século IXX se tornam realidade.Tem de tudo,Branca de Neve cantando acompanhada de um coro de passarinhos até a minha própria imagem dotada de mágicos poderes,que a bem da verdade nunca tive.
Se essas visões ficassem só na ilha,tudo certo.Ninguém é de ferro.O que acontece é que eu colava essas fantasias na realidade.Todo mundo se divertia a valer .A diversão só acabava na parte que soprava o vento da realidade .Um vento bicho papão cuja comida favorita é fantasia.Ela soprava igual ao Lobo Mau , as casas dos porquinhos preguiçosos vinham abaixo e os reis ficavam nus.Eu fazia uma cara de :
-Oh,fui tão enganadinha. Logo eu,tão bobinha.
O problema é que aos quase cinquenta nada cola mais.A hora de se coçar é chegada.Ainda bem que sempre falei para a Manuela:
-Filhinha, acredita não nessas Estórias de príncipes.É tudo de mentirinha.
Funcionou.Vez por outra minha super filha do alto dos seus treze anos (essa,ninguém vai poder com ela) me sacode :
-Mãe, não quixoteia.

Tristeza

Minhas lágrimas derramadas por todos aqueles que choram principalmente pelos que estão de luto por filhos pela alma dos que desistiram e pularam fora por aqueles que só conseguem aguentar dopados e muitos loucos pelas famílias desfeitas pelos amores finados pelos amores impossíveis pelos que deixam pelos que são deixados porque o Natal termina porque a juventude passa pela inevitável impotência diante do sofrimento próprio e do alheio principalmente o dos filhos que é mais próprio do que alheio pelos doentes pelos órfãos pelos falidos pelos malvados pelos rejeitados pelos excluídos

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Cisne Negro

Não acredito na divisão entre filme comercial e filme de arte.Bobagem...cinema é o seguinte : fazem filme bom e fazem filme ruim.Filme bom é aquele que arranca quem esta assistindo da poltrona e enfia na tela.Filme ruim dá sono,vontade de ir embora ou as duas coisas juntas.O Cisne Negro é bom.Eu virei a Natalie Portman.
Aliás,ela está linda de morrer,magérrima e fazendo um monte de piruetas e rondejãns .Tudo bem que usaram dublês na hora que a técnica exigia uma virtuose.Mas só quem já suou muito o collant e queimou os miolos tentando executar uma coreografia dançando na ponta dos pés sabe o esforço que ela fez.
Aliás, o filme é uma mistura de imagens do ballet mais kistch e mais adoravelmente romântico com cenas eróticas e momentos apavorantes.O ingrediente extra é a fartura de clichês psicanalíticos.Cinéfilos de carteirinha verão claras referências a mamães malvadas e heroínas bem maluquinhas.Lá estão a madrasta da Branca de Neve,a genitora da Carrie e a mãe do assassino da Psicose batidas no liquidificador.A Portman ora personifica a Eva das Duas Faces,ora O Inquilino.
Em suma,numa obra só todos os meus ingredientes favoritos.Se tivesse vampiro e gente devorando comidas gostosas seria o filme da década.

Recomendo :Sala Unibanco e comida mexicana no Tolocos que é frente.A fauna da região vale a pena.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Hora da limpeza

Quero receber o novo ano de cabeça e coração abertos.Já fiz uma faxina nos armários de roupas -as dispensadas estão deitadas nos caixotes,umas sobre as outras, a espera da quebra da inércia para serem doadas.Foi embora o que não me servia,o que eu não usava mais,o que ficava bonito nos anos de 80 e 90 mas caiu de moda.Enfim... tudo o que estava ali no armário atravancando o espaço.
Tambem arrumei o depósito e o quartinho.Materias para novos oratórios me esperam.Preciso pendurar o Arcanjo Miguel matando o dragão e uma santa que tem um monte de querubins a seus pés.
Faxino o fora para promover uma assepssia do de dentro-espanar mágoas e rancores,doar a novos donos os sentimentos,apegos e emoçôes que não me servem mais.
Gosto da imagem da bruxa que sobrevoava o céu,dissipando nuvens com uma vassoura.Aquela velha bruxa bem que podia ser eu.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Acudam a Emília...

Os gringos resolveram dar um jeitinho na obra do Mark Twain,que era esperto demais para estar dando voltas no túmulo nesse momento.Nas aventuras do Huckbelry Finn(parei na página 3,chato demais)ao invés de " nigger" eles passaram a chamar a crioulada de " slaves".Ai que porre...É a história sendo maquiada mais uma vez.Como se uma mudança semântica pudesse apagar o racismo que assolou The Land of the Freedom and the Home of the Brave...
E aqui nos Brasis,depois dos navios negreiros,dos pelourinhos e da lei de ouro que deixou um contingente enorme de gente a ver navios,não temos lá muita moral para enfiar o dedo no nariz dos nossos brothers do norte não.
Faço coro com todos aqueles que já manifestaram seu temor de que os construtivistas dialéticos ,cabeças pensantes do nosso eficaz sistema pedagógico, resolvam que a Emília deva engolir de uma vez por todas a "negra beiçuda"para chamar a melhor cozinheira de todos os tempos de "afro-americana de lábios proeminentes".Essa será,certamente, uma medida de caráter profilático para prevenir possíveis manifestações racistas nos adoráveis seres humanos de tenra idade.Que lindo...
Há quarenta anos atrás um bando de gente idiota decidiu que a violência veiculada na televisão e nos contos de fadas (!)iriam contaminar a cabeça dos anjinhos e que uma hecatombe iria acontecer.Estou aqui,beirando os cinquenta (ai...doeu)e juro que a influência menos traumática na minha vida foi o Nacional Kid.Nunca queixei-me dos incas venuzianos para qualquer uma das minhas analistas.
Rousseauniano ,ingênuo e obsoleto imaginar que a crueldade humana dirigida ao semelhante tido como menos humano por ser judeu,preto,homossexual,fumante,doido,pobre ou gordo,possa ser tratada com o rebatizamento de velhas palavras.
Não tenho nenhuma solução prática.A única coisa que posso dizer é que vejo no Tomás,no João e na Manuela um respeito a todos os seres humanos que cruzam a vida deles.Bem que eles poderiam exercitar mais o modelo de cidadania que usam fora dentro de casa e pararem de brigar tanto.