Cisne Negro

Cisne Negro
Cora Coralina

quinta-feira, 12 de março de 2009

A Casa Derrubada

E por quê não falar das dores?Ora, bolas, carambolas porque dor é um saco.Entrei, a convite, no blog de um mocetão que me mandou e-mail no tom de :-oh, faz 20 anos que não nos vemos,achei seu blog ,vamos encontrar?
Tratava-se de um ex-namorado, excelente partido, alto, bonitão,fino,separado e ...rico,mas rico mesmo.Obviamente,fui xeretar o blog, bem escritinho até,mas ao deparar-me com um texto que falava sobre um papel amassado, pisado, jogado na rua, que ninguém queria,me deu uma aflição daquelas. Nesse momento, entendi como texto ,falado ou escrito,sobre dores e desgraças,exerce um efeito tão repelente em alguns seres humanos como a visão de uma barata.

Não obstante,sigo em frente com meu objetivo.O leitor mais avesso,por favor,fique à vontade para interromper a leitura e fazer o que bem lhe aprouver porque agora o bicho pega.Quero dividir com os mais fortes e solidários a tristeza que me dá quando penso na minha casa que foi demolida.Trata-se de uma releitura íntima e pessoal do tema da "Saudosa Maloca" .Cada pedra que caía doía mesmo no coração.A diferença é que não era nem de longe nem de perto, uma maloca.Muito pelo contrário ,aliás.A casa onde eu morei durante doze anos ,construída de tijolos e concreto aparente,como em voga nos anos 80,tinha cinco quartos claros e espaçosos-o meu ,grande o suficiente para acomodar um baile para 30 pessoas.Todos os quartos davam para um jardim,onde floresciam Mussaendras, Estrelitzias e outras plantas de flores tropicais,plantadas pela equipe de uma paisagista com nome de fada,que floriam todos os anos para meu puro deleite.
Tinha sala de jantar, sala de estar com lareira,copa, cozinha e mais um jardim na frente com uma româzeira que fazia inveja à vizinhança.Térrea,mostrou-se um abrigo perfeito para uma família com muitos bebês que podiam correr à vontade,sem perigos como escadas ou piscinas.Escritoras sào distraídas.Sabendo das minhas limitaçòes como mãe,jamais cogitei a hipótese de morar numa casa cujo risco máximo excedia aquele de uma das crianças bater a cabeça na parede.
A casa foi o palco de dois nascimentos,de incontáveis festas de crianças,quando eu me esmerava na manufatura de quitutes e na produção de decorações.Meus filhos sempre se queixaram de nunca terem tido festa em buffet e os amigos e conhecidos admiravam-se de eu permitir a algazarra dos monstrinhos,sem medo dos possíveis estragos, que nunca ocorreram.Também fiz muitos jantares chique e alegres,servidos por copeiras uniformizadas, e uma festa -baile por ocasião da minha gloriosa entrada nos "enta",quando 60 pessoas se sacudiram na pista até suar e casais com mais de 12 anos de união legal foram surpreendidos se beijando em vários recônditos daquele que era meu lar.
A grande pena foi que, por contingências ,a casa mais bonita de todo o bairro do Alto de Pinheiros à venda.
O comprador era simpático e gentil.Mas tinha a urgente necessidade de morar num sobrado com direito à churrasqueira e piscina de raia. Dois ítens sem os quais,a classe dos brasileiros abastados tem muita dificuldade de passar sem.
Em vista desse motivo vulgar, minha casa foi ao chão e o assoalho de tábuas corridas, a cozinha de pinho de riga, as vigas e bancadas de nobres madeiras, mais as janelas e portas foram todas parar num galpão de artigos de demolição. O dono, sempre gentil,permitiu que eu retirasse o que bem entendesse.Mas quis o destino(um sacana, às vezes)que eu estivesse sem carro e sem teto na ocasião.Portanto,sem a menor condição de transportar e armazenar vigas e janelas que agora muito me serviriam para dar um up grade na minha casinha,fiquei na mão.
Posso dizer,que como quase todo mundo,tive dores e perdas.Mas agora,nesse momento, o que mais me dói é a lembrança da casa dos meus sonhos,inexoravelmente destruída.
Foi como falou um ex-vizinho meu, filho de um emérito político paulistano:
-Pois é, demoliram sua casa.Mas, isso faz parte da vida.
Argumento que, rápida como uma metralhadora,retruquei:
- É verdade,faz parte da vida,sim.Mas é muito mais fácil quando é na vida dos outros do que na nossa...

5 comentários:

HighTimes disse...

Obrigado pelos elogios, mas não sou tudo isso, não... São seus olhos!
Sinto muito pela sua casa. Imagino como esteja se sentindo, vendi a minha em jul/08 e fiquei super mal humorado quando soube que a nova proprietária trocou todo o piso de mármore.
Beijos,

Priscylla de Cassia disse...

realmente triste e revoltante!

(a resposta foi divina...)

Priscylla de Cassia disse...

agradecida pela visita!

Loren disse...

primeira vez que visito seu blog, e gostei muito do seu texto fluido, espontâneo, humano.

e assim vai nos moldando o destino, e que sempre nos reste o bom humor e a inteligência para que possamos avançar com coragem sempre.

beijos Ro,

ah! ta saindo em nome do Lorenzo, mas é a www.crisdeluca.com que aqui escreve...

Judô e Poesia disse...

Lindo blog, gostei do tom do relato, que trata o drama pessoal com inteligência e leveza. Você escreve bem. Beijos. Domingos.